Pinóquio
– considerações literárias sobre livro e telas
Por
Simone R André
Hoje,
em 2025, exatos dez anos depois, decidi compartilhar o artigo escrito para a
especialização Libro-pantalla-libro: adaptación y transfiguración en la LIJ,
pela UAB, de Barcelona, em homenagem a uma mestra da qual eu fui leitora desde
as primeiras descobertas da escrita – com um livro chamado “Uma ideia toda azul”[i], a autora que fora a
mediadora da leitura do texto Pinocchio neste curso e também tradutora do mesmo
livro: Marina Colasanti[1], falecida em 28 de Janeiro
deste ano.
Texto
foi escrito como trabalho de estudo sobre as adaptações para o cinema da obra
de Carlo Collodi, “As aventuras de Pinoquio””, tradução de Marina Colasanti[ii] e os filmes adaptados com
atuação e direção de Roberto Begnini “pinóquio”, de 2002 e a
versão da Disney em animação de 1940.
Antes
de iniciar a comparação é importante frisar que inquietação das comparações entre as adaptações e linguagens que
são há muito estudadas. Refletindo a respeito das diferenças entra as
linguagens cinema e literatura me
lembrei de uma experiência muito difícil com a história da Pequena Sereia. Ao
contar a versão original de Andersen em um livraria no Rio de Janeiro, Brasil,
no início dos anos 2000, as crianças, em sua grande maioria meninas entre 3 e 7
anos que desejavam ouvir a versão da Disney e não aceitaram o fato da sereia
não ter o nome de Ariel e tão pouco dela não se casar com o príncipe. Para além
do meu desconforto, ou desespero, ficou como
um grande “grilo” a me questionar sobre a versão adocicada: qual é o problema?
O que se perde?
Logo percebo a mudança entre as
versões dos filmes em relação com o livro. Se, como nos diz Naranjo[2]: “o tempo no cinema é o
presente e na literatura é o passado”; em ambos os filmes, desde o começo
enquanto passam os créditos, somos conduzidos a este outro lugar, do presente
na cena. No filme de Benigni, as imagens
iniciais são estáticas, de plano aberto nos apresentam o vilarejo, como fotos,
nos levam para este outro tempo e lugar. Então o “era uma vez” nos é oferecido coma
chegada da fada em uma carruagem puxada por muitos camundongos. Localizamo-nos
assim nos contos de fadas. Nesta cena inicial, a fada discorre sobre o assunto
“tempo”, o que nos dá margens para compreender a respeito da própria linguagem
utilizada no cinema, como uma metanarrativa. Como no texto de Naranjo nos diz : “El lector
reflexiona el hecho. El espectador ló vive.” O discurso da fada me remeteu ao inicio do
livro “Era uma vez... (..) não crianças.. era uma vez um pedaço de madeira”.
Assim que termina essa cena, a
câmera segue o trajeto da borboleta e passa a nos apresentar o cotidiano da
cidade a partir de seu ponto de vista. E é a borboleta quem dá inicio à ação,
pousando (tocando) em um pedaço de madeira que ganha vida e sai aprontando mil
estripulias.
Destaco um detalhe nesse início: a
carruagem para exatamente em frente a uma fonte com a imagem do Pinóquio, ao
que me pareceu uma menção à obra original, e existe uma realmente em homenagem
ao personagem na Itália. Pude pensar no conceito de adaptação cunhado por Sotomayor Saez[3] esta cena como uma “citação”
à obra de Colodi nos aproxima do que parece ser a tentativa da versão de
Benigni: maior fidelidade à obra original além
de incluir a referência do local onde se tem a estátua da obra.
A animação da Disney, inicia com a
conhecida canção que ouvimos enquanto passam os créditos e já é parte da cena. É
o grilo falante quem nos apresenta a história, e de início, como se fosse um
musical, sob a luz do holofote, como os filmes musicais daquela década. O mesmo
holofote que ilumina o título do livro,
assim localizando-nos no tempo em que
fora criada a animação, 1940. Ao aproximar da câmera, fechando o foco no
círculo de luz, percebemos que o grilo está em trajes de gala e fala
diretamente com o espectador.
Sua fala parece nos apontar uma
moral de que encontraremos no filme: “é
possível realizar os seu sonhos”. Em
seguida, abre-se o foco para o livro inteiro “Pinocchio”, localizado em cima da
mesa e a luz já não é mais a mesma, agora estamos à luz de velas e o grilo começa a ler o livro. Percebo na
mudança de iluminação a orientação para o inicio do “era uma vez”.
Nessa sequência
de início da obra de Disney, é possível recuperar a relação que se tem com a
circulação e acesso ou a transmissão desse filme a ponto de fazer com que a
história, não essa escrita, mas a adaptada, seja mais conhecida e tida por
original do que a escrita, claro que o livro, como veículo de comunicação ainda
esbarra na questão da linguagem da escrita, de saber a língua especifica, já ou o filme em animação a relação se dá mais
com símbolos e significados, e além de ser mais acessível a compreensão quando
se trata de comunicação de massa ainda que seja um filme de cinema, ou seja,
depende de distribuição pelas salas, o que hoje em dia já se modificou com os
streamings. Os avanços tecnológicos possibilitaram que ele fosse acessível a um
público muito maior do que o que frequentava o cinema na década em que fora
lançado. Temos então uma ampliação de visualizações ao chegar a televisão, quando a transmissão
de animação passou por décadas e gerações, sem contar os inúmeros produtos que
os acompanharam, que vão desde os livros e publicações pequenas e mais
acessíveis pela condição de produção, até o parque temático que os acompanhava,
extensão do conglomerado Disney, sobre isso discutiremos em outro tipo de
analise e reflexão.
Agora, as comparações dos filmes, na
sequência seguirá a passagem para outro tempo. É interessante perceber que ao
mostrar os detalhes da imagem narrada
pelo próprio grilo, conforme ele mesmo diz “como um quadro” somos levados pela câmera a entrar
no filme “Pinocchio”. A narrativa cinematográfica inicia-se com o ponto de
vista (perspectiva) do próprio grilo e com seu olhar nos aproximamos da casa de
Gepeto aos pulos.
Quando a câmera substitui o
olhar-do-personagem pelo olhar-de-narrador temos a imagem do grilo já vestido
em farrapos. Após sua entrada no ambiente, a câmera nos dá uma panorâmica do
lugar com uma infinidade de brinquedos para crianças. Por este início e pelo
figurino do personagem, percebo que o grilo representará a pobreza, presente na
obra de Colodi, em oposição ao ambiente da animação que é rico em conforto. E a
luz, em geral, nos é apresentada sempre mais clara no centro e escura nas
laterais da tela, intensificando a sensação de um ambiente acolhedor, também
característico de uma mudança histórica que viabilizou o cinema: a iluminação.
A contradição entre a adaptação e a
obra originaria e a versão em animação é grande. Enquanto na obra de Colodi a
casa de Gepeto é pobre, descreve-se no livro que o fogão, por exemplo, é uma pintura
na parede, e Pinóquio só ganhará roupas
no 8º capítulo como condição para ir à escola, enquanto que na versão cinematográfica
da Disney a casa é repleta de brinquedos, Pinóquio já está vestido e o único
elemento de pobreza presente é a roupa do grilo. O conforto e o aconchego são
ressaltados em todos os primeiros 20 minutos do filme. As cores da casa, a
lareira fazem do espaço um Lar, e o carinho são entre os personagens, inclusive aqueles que não fazem parte da edição
literária de Colodi (o gato Fígaro e a
peixinha Cléo), nos apresentam informações através do diálogo que tem com
Gepeto.
Interessante reparar em algumas das pequenas
narrativas paralelas que ocorrem no filme da Disney, uma delas é a dança entre Gepeto
e a marionete Pinóquio, o grilo está por baixo da estrutura mecânica da
caixinha de música, inadequado à aquele espaço e ele é “ferido” e expulso, o
que é possível remeter à diferença entre as artes, escrita e fílmica, ou especificamente
uma menção à época instustrial.
O grilo falante tem uma importância
grande em toda a animação da Disney, desde dar inicio à obra, até ser a
consciência da marionete, a reflexão é que se o Grilo falante está ocupando o
lugar de voz narradora, ou de mais proximidade com o texto, posso fazer a
analogia entre a passagem que ocorre a partir daquela época, 1940 em diante,
entre o escrito e o visual, ou de como o
escrito é ou era a equivalência da consciência, ao menos para os que
produziram a animação.
Da
mesma forma outra importância diferencia a adaptação do livro na animação: a
fada. O desejo de que o boneco seja um menino é primeiramente apresentado por
Gepeto na animação. E é à fada azul, que vem como uma estrela cadente, para a
qual Gepeto fez o pedido. É a fada quem dá vida à marionete, também ela é quem nomeia
o grilo falante como a consciência do Pinóquio (e neste momento o grilo deixa
de ter as roupas esfarrapadas retoma as vestes de gala iniciadas do filme).
Essas mudanças parecem significativas em termos comparativos entre o hipotexto
e o hipertexto, pensando na adaptação como uma escolha repleta de significado.
Dentre as possibilidades de sentidos encontro uma que diz respeito à mudança de
perspectiva cultural e histórica. Recupero a leitura de Nobert Elias sobre a
elaboração da consciência como processo civilizatório e de autocoerção.
Elias discute as formas
diferenciadas de coerção como alterações dos comportamentos aceitáveis. Por
meio das mudanças nos sentimentos de vergonha
e embaraço, do controle dos impulsos,
ocorridos num processo de longa duração histórica, alteram também
os padrões do que uma sociedade
exige e proíbe como regra
de sociabilidade. Para o autor “No
avanço do processo civilização, tem-se que mecanismos de autocoerção tornam-se mais poderosos que coerções externas, de forma abrangente e homogênea . (ELIAS, 1997)[4]
Nesta referência de mudanças
históricas, podemos perceber personagem de Pinóquio como representante desse
processo. A meritocracia advinda da ascensão burguesa, principalmente a classe
média – ou a ascensão dessa como participante do social, dependente da força do
trabalho para viver, concentrou-se
em um código de comportamento associado
à virtude e à moralidade e não sobre um código
de honra da aristocracia, talvez aí esteja o cerne de um dos conceitos
de Nobert Elias que é o de “fundo social de conhecimento”, e que também pode
ser reconhecido como fonte ou raiz das “disciplinas” da escola, sendo a escola
provedora desse fundo social, ou lugar para a formação desse social, talvez.
Nessa
passagem ou surgimento da classe média, terminadas as formas absolutistas de
controle, é o auto controle que se torna absoluto – as injúrias e as proibições
sociais tornam-se cada vez mais parte do ser, de um superego estritamente
regulado. Acredito que podemos encontrar eco na versão da Disney e na
importância dada ao grilo como voz da consciência que a todo momento será questionada
ou até negada pela marionete, como se coubesse ao ser e não mais as relações
sociais que o ser vivencia o
autocontrole. Algumas conexões podemos fazer entre esse tempo, de 1940 e os
dias de hoje com as mudanças tecnológicas e as mídias e seus acessos aos dados
que produzimos, às consequentes leituras e significações que são feitas a
partir dos dados que comportam encaixotam e normatizam o ser.
Já na versão de Colodi, o grilo é
morto logo no 4º capítulo. Neste capítulo, o grilo diz a emblemática frase: “ Se você não gosta de ir à
escola, porque não aprende pelo menos
uma profissão que dê para ganhar
honestamente um pedaço de pão?” e na continuidade da conversa conclui
sobre a profissão escolhida por Pinóquio de ser vagabundo: “todos que
escolheram essa profissão acabaram quase sempre no hospital ou na prisão”. Podemos compreender que no hipotexto,
Colodi apresenta os mecanismos de coerção externa, alguma equivalência conforme
houvera mudança cultural e civilizatória entre os anos de 1888 e 1940. Assim, o
mecanismo de coerção é, em ambas versões – do texto e do filme - transferido
para o grilo, como consciência, ou seja como forma de coerção interna conforme nos apresenta Elias, ou
externa.
Se no hipotexto são as aventuras que
levarão o personagem e à nós leitores à
consciência dos valores morais e éticos, na versão da Disney a trajetória da personagem será apresentada pelo diálogo
com a consciência personificada.
Podemos portanto refletir a respeito
da mudança de perspectiva proposta pelo filme da Disney, não como uma falta de
cuidado com a versão original, mas sim
como uma releitura, que sofre alterações com uma adequação ao contexto cultural. Se na época de Colodi a
questão estava na relação da criança com a educação, formulava-se ainda a
obrigatoriedade da formação escolar para todos, então em 1940, a questão que nos aproxima é a da
conscientização, ou da elaboração de um comum saber .
Na versão cinematográfica, além das
mudanças dadas pelo suporte tela, se faz presente a transformação em que tanto
incluem o que SOTOMAYOR SOEZ destaca: “ ligada al sistema cultural y literario de una época concreta; y es precisamente Le
distanciamiento de ese sistema y con
ello, la dificultad de comprensión para lectores
no muy cualificados lo que
induce a la reescritura.” (p.
228).
Encontro
no texto de SOTOMAYOR SAEZ ressonância a um pensamento sobre o quanto as muitas
versões, adaptações, reescrituras ou diálogos com as obras são também formas as
mediações que possibilitam ampliar os sentidos das obras recuperando saberes
socialmente compartilháveis. Portanto de qualificação do olhar e compreensão do
leitor-escritor ou leitor-adaptador. Seja com viés ideológico, cultural, seja
com o objetivo voltado ao receptor da obra, tais reescrituras traduzem ou
representam um diálogo da obra com seu tempo, com seus leitores. Autora diz:
“gran parte de la literatura que circula
em nuestra sociedade, y tambien
em tempos passados, no se
escribe sino que se reescribe.”( p. 221)
Perceber
as adaptações como um processo cultural, é compreender a responsabilidades dos
profissionais de leitura na divulgação e no conhecimento destas versões. Os
Cânones como parte do acervo social, quase sempre, são lidas por esses profissionais.
Penso que fica mais difícil falarmos em originalidade ou em um hipotexto único,
pois o que garante a permanência de tais obras
é o fato de que são lidas em
profusão suas versões e adaptações.
Reflito
o quanto é necessário estabelecermos qual será o hipotexto para se chegar a uma
análise das adaptações. Um exemplo é o que ocorre com versões e adaptações de
livros para crianças como o clássico infantil “As Aventuras de Pinóquio”. As
inúmeras adaptações classificáveis como versões, ou digest utilizam como hipotexto a versão da Disney e
não a obra de Collodi.
No
primeiro capitulo da obra literária, a madeira fala com o Mestre Cereja; na
animação da Disney a madeira parece ter sido substituída pelo grilo. São muitas
as mudanças culturais ou temporais presentes em uma adaptação. É enriquecedor
conhecer a versão mais antiga, mas nem sempre temos acesso a ela, por outro
lado a busca por um purismo descarta as transformações e a compreensão do
caminho de mudança realizados. Isso nos
lembra, que assim como o personagem nasce da madeira, são os elementos que
fazem a materialização em algo que tem utilidade. A mesa, feita de madeira, o
chumbo do ferro da bicicleta e tantos outros, a relação com a utilidade e com a
formação parece ser o mote da história de Pinóquio seja ela escrita ou em
filme.
Conforme
exemplo citado pela autora SOTTOMAYOR SAEZ, na história da Bela adormecida, o
que ficou socialmente conhecido foi a compilação dos Grimm como hipotexto, já
dispensada a versão mais erotizada de Perrault. No caso das gerações que
cresceram com os filmes da Disney, como a minha, acabamos considerando
(inconscientemente) a versão Disney como “original” ou como hipotexto.
Essa
questão é tão presente que em outras versões escritas adaptadas da história,
mais próximas dos Digest, mas se aproximam mais da versão da Disney. Como
exemplo, temos o primeiro capítulo de muitas obras adaptadas pesquisadas, não há menção ao Mestre Cereja,
ao invés disso, são enfatizadas a solidão do Gepeto como motivação para criar a
marionete.
Enquanto
na versão de Collodi é a necessidade de ganhar dinheiro que leva Gepeto a
fabricar um boneco, o que poderia tirá-lo da miséria. Em outras versões menos comprometidas com o hipotexto do
livro, é a vontade de ter um filho que gera à aparição da Fada.
Sabendo
que:
“La
riqueza lingüística, la densidad significativa
de un personaje o la complejidad
de sentimientos y relaciones que una obra clásica puede llegar a contener resulta difícil de apreciar en un
tiempo caracterizado por la
fragmentación del conocimiento, la simplicidad de los mensajes y la
relativización de los valores.” ( SOTOMAYOR SAÈZ, 2009, p. 228)
Compreendo
a necessidade de mercado que, muitas vezes, produzem adaptações centradas na
versão da Disney, pois é o filme que leva crianças e jovens à leitura e não o
contrário. Mas, o que deixamos para trás, quando não a lemos na original é a
profundidade de uma obra como a de Collodi? Também cabe uma reflexão a respeito
das modificações realizadas pela obra cinematográfica da Disney, se são uma
versão livre, mas na qual estão presentes as mudanças sociais da época.
Ao ler
a versão original, aqui neste curso, me surpreendi, pois a minha memória da
história de Pinóquio estava fundamentada na versão Disney. Também me surpreendi ao perceber que não
apenas eu, mas os demais aportes e versões, sejam impressas ou ebooks,
principalmente as versões de aplicativos disponibilizadas gratuitamente na
internet, encontram-se igualmente baseadas no filme de 1940. Até 2015, data da
escrita desse estudo existia um único aplicativo sendo fiel ao hipotexto, à
Collodi, é o da “Elástico books to play”..
Analisando
este e-book, posso dizer que é uma adaptação onde vernos um resumo da obra
suprimindo algumas partes, mas mantendo a estrutura e o essencial do hipotexto,
baseado no livro. Interessante é fazer, posteriormente uma discussão a
respeito das imagens as quais tem
interação com o leitor.
O uso que fazemos das obras, nós leitores ou
espectadores, os significados que damos em compreensões leitoras que temos em
cada momento, ou em cada experiencia de vida, ativação de sentidos ou , como nos diz ELIAS é
engajamento ou o distanciamento que irá compor significados das narrativas
vistas , realidades diferentes fazendo sentidos para muitos leitores em
diferentes contextos mantem a obra sendo reelaborada por veículos em novos
contextos.
Também
me surpreendi com a leitura do livro. Havia visto o filme da
Disney e talvez tenha lido alguma adaptação da obra bem resumida, mas
nunca ela por completo. Me lembrava apenas de algumas cenas. E ler
me levou a refletir a respeito do personagem que vive muito além da
questão da mentira e do nariz que cresce . Questionei-me sobre a
forma com a qual compreendemos e percebemos a infância.
Uma personagem contraditória que é
ao mesmo tempo travesso e insolente mas com características de extrema
bondade e compaixão, sempre envolvido pela inocência. Uma marionete que deseja
ser uma criança? Isso é muito significativo! Quando, no real, uma criança
deixa de ser marionete? Quando deixa de ser levada pelos adultos e passa
a ser efetivamente criança?
Pinóquio
é um personagem rico em contradições, o que me levou a formar a
ideia de ser este um livro sobre a formação da humanidade - humanidade no
sentido de humanização - todos os conflitos e contradições que se fazem
presentes em nosso mundo que constituem nossa humanidade. Será que
a humanização é compreendida por virtudes alcançadas? Será que essa pode a ser
percebida como a iniciação da criança no espaço humanizado?
Em sua trajetória, Pinóquio é
enquadrado em diferentes personagens, passa por diversas “máscaras
sociais” até constituir-se menino. Desde o encontro com outras
marionetes, como estudante, como ladrão, como cão de guarda, como assassino,
porém vai se desfazendo de todas as formas em busca de ser o menino,
perdendo a inocência em alguns aspectos e ganhando reflexões morais em
outros.
Sim,
em diversos momentos Pinóquio é levado à proximidade da morte.
Antes
de seu nascimento poderia ter sido morto dizimado pelo fogo e em outros
momentos também o personagem se encontrou em grandes perigos, seja quando quase
fora morto enforcado, capitulo XV, estrangulado na árvore, ou seja no
capt. XXVII onde ele quase é morto pelo cão Alidoro. Mas é no capítulo XXVII
que ele quase morre frito na frigideira e acaba sendo salvo pelo cão. Temos na morte a relação entre o julgamento do
outro, ou dos outros, em diferentes
contextos e a possibilidade de nós, como leitores ou espectadores opinar sobre
essas condições, principalmente quando a obra era escrita em forma de folhetim.
Ao
refletir sobre o trecho "un trozo vulgar, de los que en invierno se
echan en los hogares y las chimeneas para encender el fuego y calentar las
casas." Fui rever o pedaço de madeira, e me deparei encontrei(excluir) com
uma história de objetos - objetos esses que são artesanalmente criados. Neste
caso, me pergunto: um objeto pode virar menino? Ou menino pode ser visto como
objeto?
Na o
livro existe uma diferença entre Gepeto e Mestre Cereja o primeiro é aquele que tem permissão para a
ilusão, para o lúdico - pois é em sua casa que se inicia a cena
lúdica, onde o espaço que é completado com pinturas nas paredes,
como um cenário. E é onde caberá uma marionete? Onde caberá a vida onde é
tudo inanimado? E é o mestre Cereja quem dá a madeira falante para Gepeto.
Preenchendo
as lacunas, que nós, leitores, preenchemos entre os capítulos: ida de
Pinóquio ao teatro de marionete, me
aproximou das ideias do Bom selvagem de Russeau, porque como um
conceito de infância que se destaca do que era natural e se passa a
perceber tanto como a inocência,“ o bom” com compaixão, acaba por necessitar de
algum tipo de educação para que se ponha esta “marionete” na vida social, na
vida da cidade, para que aprenda e não ser mais selvagem. O selvagem no
caso seria a madeira antes de ser esculpida.
Percebi
que em todos os momentos de perigo do Pinóquio, há estruturas que
se repetem: o castigo, o perdão, em seguida uma ação dos cuidadores,
Gepeto ou a Fada, cuidando e confortando, acolhendo.
Certamente,
a ilustração de Innocenti me levou a refletir sobre a nudez do personagem no início
da história. Ecomo a versão da animação detem o meu imaginário imagético, quanto é
difícil imaginar outro personagem diferente do da versão da Disney.
Ao buscar outras ilustrações igualmente me dou conta do quanto que
minha leitura esteve impregnada do Pinóquio da Disney. Perceber a marionete
como uma sombra, certamente me trouxe outros sentidos para a
história.
Filmes:
PINOQUIO: Walt Disney Productions, 1940.
PINNOCHIO. BENIGNI, Roberto. Pinnochio. Miramax
Home Entertainment, 2002.
PINNOCHIO 3000. ROBICHAUD, Daniel.Filmax,2004
Autora:
ANDRE, SIMONE R. B. O QUE O que
narram os narradores: memórias, histórias e práticas. Total de folhas. Tipo
(Dissertação, Educação: Processos Formativos e Desigualdades Sociais. (Mestrado
em Educação), UERJ- FFP ( Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de
Formação de Professores) São Gonçalo, 2012.
[2]
NARANJO, Lisandro. “Cine y literature: dos en uno no
caben”. Hojas
de lectura abril 2001: 11-14.
[3]
SAÈZ, María Victoria Sotomayor. “Literatura,
sociedad, educación, las adaptaciones literarias”. Revista de Educación No. Extraordinario 2005:
217-238.
[4]
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma história dos
costumes. Tradução Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v.1.